segunda-feira, 16 de abril de 2012

A gestão cultural e o território

O Brasil teve ao longo da constituição de sua rede de cidades estratégias de ocupação que marcam alguns ciclos. Embora se tenham alterado drasticamente as lógicas de ocupação territorial, muitas de nossas cidades ainda “guardam” traços de seus riscos iniciais.
Nossa constituição étnica, por sua vez, também espelha e deixa marcas na vida social e cultural de muitas regiões e cidades.

As cidades fundadas no século XVI, e mesmo no XVII, foram basicamente de ocupação litorânea e voltadas à defesa do território colonial português. Assentadas em locais altos, muralhas contendo malhas internas irregulares e com pouca vida social. Foi assim no Rio de Janeiro, em Niterói, em Olinda, em Salvador, entre muitas outras. Com a ascensão comercial do ciclo açucareiro as principais cidades portuárias prosperam, dinamizaram suas estruturas sociais e cresceram em direção aos portos.
Ainda no século XVII, mas principalmente no século seguinte iniciou-se a ocupação interior em busca do ouro. São Paulo foi simples ponto de passagem, vindo a florescer algumas cidades mineiras e goianas. No século XIX vieram explosões econômicas importantes. A borracha fez enriquecer certas regiões do norte, e o ciclo do café definitivamente fez explodir uma larga rede de cidades, principalmente nas regiões fluminense e paulista. Trouxe com ele a modernidade das redes ferroviárias e dos serviços urbanos de eletrificação e saneamento.
Foi, no entanto, ao longo do século XX que a modernização realmente impactou nossas realidades urbanas com grandes intervenções de renovação dos antigos tecidos coloniais, inicialmente no Rio e em São Paulo, e com o planejamento de cidades modernas: Goiânia, Brasília e Palmas expressam três desses momentos.

Nossa composição étnica por sua vez expressa, também, momentos cíclicos. Aos índios, portugueses e africanos dos primeiros séculos somaram-se importantes massas imigrantes, sobretudo européias, que cruzaram os mares em busca de oportunidades de inclusão que a industrialização vigente no primeiro mundo não lhes propiciou.

Que marcas territoriais e étnicas ainda se apresentam em nossas cidades? De que maneira nossos traços culturais regionais se sobrepõem à homogeneização percebida nos tempos atuais? Marcados por forte composição social excluída e sobrepujada, como estamos fortalecendo a inclusão?

Os dados censitários são bem pouco animadores. Cientistas sociais falam de abismo social. Especialistas estrangeiros adjetivaram nosso nome –brasilianização- como expressão de pobreza. Ainda se constata bolsões de trabalho escravo no Brasil, isso sem falar dos altos índices de violência urbana e de prostituição infantil.

Que papel a Cultura pode ter na reversão desta realidade? Como fazer belos conceitos saírem do papel (empoderamento, protagonismo social, responsabilidade social, inclusão social, sustentabilidade, capacitação profissional e geração de renda e emprego através da cultura)?

Como estabelecer e fortalecer redes sociais? Como estimular e incorporar a governança e o capital social como estratégias para nossas ações? Como promover a ética como a estética de vida dos indivíduos?

CULTURAL - MULTICULTURAL - INTERCULTURAL - TRANSCULTURAL

- Uma noção contemporânea da Cultura

Pode-se entender CULTURA como um processo de sedimentação de memórias, a longo ou médio prazo, e que opera com as diferenças de toda a sociedade. Entendida desta forma seus propósitos são contrários ao da lógica de mercado –tomando esta por sua busca de imediatismo e estandartização.
Se o agente da cultura for exclusivamente o Estado, tende-se a desenvolver políticas culturais marcadas por um “patrimonialismo estadista” ou por um “dirigismo estatal”. Se o agente for exclusivamente o Mercado, culminaria em um “mercantilismo cultural” ou “privatização da vida cultural”.
A história da modernidade buscou regimentar a esfera estatal como representante única da esfera pública. Pensamentos contrários buscariam articular a todo indivíduo três atuações básicas: pública, privada e íntima. Deste modo, as políticas culturais sendo da esfera pública estariam afetas tanto ao Estado quanto à sociedade inteira.
Segundo o pensador português Boaventura de Souza Santos assiste-se, hoje, a uma hiperpolitização estatal e uma despolitização da vida cotidiana. Podemos entender como ação pública aquilo que de nós pertence ou está voltado aos demais, dependendo mais do espaço em que se desenvolve. A não-clareza ou não-distinção entre as diferentes esferas leva a que lidemos com o outro através de posturas e sentimentos equivocados, por exemplo: o ódio é um sentimento íntimo; nossa relação com a violência então não deve ser vivenciada como ódio ao outro e sim como reivindicação corretiva e busca de mecanismos de segurança.
Não há, portanto, como dissociar a ação cultural de noções ligadas à cidadania, à justiça social, à afirmação de sociedade civil e da ação pública ou mesmo à ética.


- Multiculturalidade, interculturalidade e globalização

Segundo Alain Touraine , por multiculturalidade podemos entender a manutenção da unidade social reconhecendo a pluralidade de culturas e tendo-as em permanente intercãmbio entre atores sociais com visões de mundo diferenciadas (algo que está além da mera coexistência ou convivência). Tal noção rechaça a desigualdade entre culturas: superior, avançada, primitiva ou subdesenvolvida e substitui a noção de preservação cultural pela de equiparação entre diversas culturas.

Multiculturalidade pode ser identificada com:
. a defesa das minorias e seus direitos. Porém há o risco de aceitá-las, mas apartadas entre si;
. o respeito à diferença. Novamente o risco de preservar grupos, mas mantendo-os intactos, isto é, bolsões apartados e gregários;
. a coexistência indiferenciada. Na qual, de novo pode-se tê-las sem coexistência ou interação;
. a negação das culturas ocidentais (apologia oriental ou latina).

Por fim, o conceito correlaciona-se ao reconhecimento do outro sem a obsessão pela própria identidade, isto é, reconhecer em cada cultura ou grupo seus valores próprios e os universais.
O conceito de Interculturalidade pressupõe aceitar que as diferentes culturas não são fatos isolados nem se produzem espontaneamente; o que ocorre é o inter-relacionamento entre elas.
Observa-se neste processo três tendências:
. relações de dominação e não de reconhecimento, o que leva ao desaparecimento de fatos originários;
. relações de diálogo e interação significativa, levando à interação;
. convivência sem simbiose.

Cabe a consideração de que multiculturalidade e interculturalidade são questões que às vezes se imbricam, outras vezes não.

No processo de globalização interagem simultaneamente atividades econômicas e culturais (mensagens, produtos e bens simbólicos consumidos) dispersas e geradas por um sistema de múltiplos centros O que importa não é a origem geográfica e sim a velocidade com que há esta interação.
Como conseqüências pode-se observar:
. crescente mobilidade de indivíduos ou grupos;
. explosão de atores e circuitos internacionais;
. crise do modelo estatal (fragilidade da noção de Estado-Nação; perda de autonomia dos Estados Nacionais);
. crescente reivindicações regionais e de culturas subjugadas;
. busca de identidades supranacionais;
. predomínio de informações e/ou relações massificadas em prejuízo de relações interpessoais.

Conforme Nestor Canclini , a globalização na ibero-américa resultou em, a partir dos anos 70:
. predomínio dos meios eletrônicos em detrimento das formas mais tradicionais de produção e circulação de cultura (popular ou erudita);
. esvaziamento dos equipamentos culturais (cinemas, teatros, bibliotecas, centros culturais,...)
. diminuição do papel das culturas locais, regionais ou nacionais (ligadas a territórios e histórias particularizadas) e substituição por mensagens geradas e distribuídas por circuitos transnacionais;
. redistribuição das responsabilidades entre Estado e iniciativa privada, em relação à produção, financiamento e difusão dos bens culturais.

Por outro lado, e em reação a uma homogeneização cultural (de base norte-americana), tem ensejado o fortalecimento de políticas culturais locais e regionais: fortalecer o “local globalizado” em substituição ao “global indiferenciado”. Lembrando, como apontou Fernand Braudel, que as fronteiras culturais nem sempre (ou quase nunca) se justapõem às fronteiras políticas.

REFERÊNCIAS:
SANTOS, Boaventura de S. Pela mão de Alice; o social e o político na pós-modernidade. São Paulo, Ed. Cortez, 1996.
TOURAINE, Alain. Critique de la modernité Paris, Fayard, 1992.
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. México, Grijalbo, 1989.