- Uma noção contemporânea da Cultura
Pode-se entender CULTURA como um processo de sedimentação de memórias, a longo ou médio prazo, e que opera com as diferenças de toda a sociedade. Entendida desta forma seus propósitos são contrários ao da lógica de mercado –tomando esta por sua busca de imediatismo e estandartização.
Se o agente da cultura for exclusivamente o Estado, tende-se a desenvolver políticas culturais marcadas por um “patrimonialismo estadista” ou por um “dirigismo estatal”. Se o agente for exclusivamente o Mercado, culminaria em um “mercantilismo cultural” ou “privatização da vida cultural”.
A história da modernidade buscou regimentar a esfera estatal como representante única da esfera pública. Pensamentos contrários buscariam articular a todo indivíduo três atuações básicas: pública, privada e íntima. Deste modo, as políticas culturais sendo da esfera pública estariam afetas tanto ao Estado quanto à sociedade inteira.
Segundo o pensador português Boaventura de Souza Santos assiste-se, hoje, a uma hiperpolitização estatal e uma despolitização da vida cotidiana. Podemos entender como ação pública aquilo que de nós pertence ou está voltado aos demais, dependendo mais do espaço em que se desenvolve. A não-clareza ou não-distinção entre as diferentes esferas leva a que lidemos com o outro através de posturas e sentimentos equivocados, por exemplo: o ódio é um sentimento íntimo; nossa relação com a violência então não deve ser vivenciada como ódio ao outro e sim como reivindicação corretiva e busca de mecanismos de segurança.
Não há, portanto, como dissociar a ação cultural de noções ligadas à cidadania, à justiça social, à afirmação de sociedade civil e da ação pública ou mesmo à ética.
- Multiculturalidade, interculturalidade e globalização
Segundo Alain Touraine , por multiculturalidade podemos entender a manutenção da unidade social reconhecendo a pluralidade de culturas e tendo-as em permanente intercãmbio entre atores sociais com visões de mundo diferenciadas (algo que está além da mera coexistência ou convivência). Tal noção rechaça a desigualdade entre culturas: superior, avançada, primitiva ou subdesenvolvida e substitui a noção de preservação cultural pela de equiparação entre diversas culturas.
Multiculturalidade pode ser identificada com:
. a defesa das minorias e seus direitos. Porém há o risco de aceitá-las, mas apartadas entre si;
. o respeito à diferença. Novamente o risco de preservar grupos, mas mantendo-os intactos, isto é, bolsões apartados e gregários;
. a coexistência indiferenciada. Na qual, de novo pode-se tê-las sem coexistência ou interação;
. a negação das culturas ocidentais (apologia oriental ou latina).
Por fim, o conceito correlaciona-se ao reconhecimento do outro sem a obsessão pela própria identidade, isto é, reconhecer em cada cultura ou grupo seus valores próprios e os universais.
O conceito de Interculturalidade pressupõe aceitar que as diferentes culturas não são fatos isolados nem se produzem espontaneamente; o que ocorre é o inter-relacionamento entre elas.
Observa-se neste processo três tendências:
. relações de dominação e não de reconhecimento, o que leva ao desaparecimento de fatos originários;
. relações de diálogo e interação significativa, levando à interação;
. convivência sem simbiose.
Cabe a consideração de que multiculturalidade e interculturalidade são questões que às vezes se imbricam, outras vezes não.
No processo de globalização interagem simultaneamente atividades econômicas e culturais (mensagens, produtos e bens simbólicos consumidos) dispersas e geradas por um sistema de múltiplos centros O que importa não é a origem geográfica e sim a velocidade com que há esta interação.
Como conseqüências pode-se observar:
. crescente mobilidade de indivíduos ou grupos;
. explosão de atores e circuitos internacionais;
. crise do modelo estatal (fragilidade da noção de Estado-Nação; perda de autonomia dos Estados Nacionais);
. crescente reivindicações regionais e de culturas subjugadas;
. busca de identidades supranacionais;
. predomínio de informações e/ou relações massificadas em prejuízo de relações interpessoais.
Conforme Nestor Canclini , a globalização na ibero-américa resultou em, a partir dos anos 70:
. predomínio dos meios eletrônicos em detrimento das formas mais tradicionais de produção e circulação de cultura (popular ou erudita);
. esvaziamento dos equipamentos culturais (cinemas, teatros, bibliotecas, centros culturais,...)
. diminuição do papel das culturas locais, regionais ou nacionais (ligadas a territórios e histórias particularizadas) e substituição por mensagens geradas e distribuídas por circuitos transnacionais;
. redistribuição das responsabilidades entre Estado e iniciativa privada, em relação à produção, financiamento e difusão dos bens culturais.
Por outro lado, e em reação a uma homogeneização cultural (de base norte-americana), tem ensejado o fortalecimento de políticas culturais locais e regionais: fortalecer o “local globalizado” em substituição ao “global indiferenciado”. Lembrando, como apontou Fernand Braudel, que as fronteiras culturais nem sempre (ou quase nunca) se justapõem às fronteiras políticas.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Boaventura de S. Pela mão de Alice; o social e o político na pós-modernidade. São Paulo, Ed. Cortez, 1996.
TOURAINE, Alain. Critique de la modernité Paris, Fayard, 1992.
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. México, Grijalbo, 1989.
Para melhor conceituarmos o campo da Gestão Cultural, podemos articulá-lo à idéia de mediação de processos de produção material e imaterial de bens culturais e de mediação de agentes sociais os mais diversos. Mediação que busca estimular os processos de criação e de fruição de bens culturais, assim como estimular as práticas de coesão social e de sociabilidade.
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