sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O espetáculo de 2012 do projeto Dançando no Ponto, do Ponto de Cultura Niterói Oceânico, em parceria com o Instituto Grão – programas ambientais e ações culturais, integra as realizações viabilizadas pelo Prêmio Asas 2010 do Ministério da Cultura.
O Ponto de Cultura Niterói Oceânico é um projeto que foi conveniado com o Ministério da Cultura através do Centro Cultural Artístico da Região Oceânica, em cooperação com o Laboratório de Ações Culturais (LABAC) da Universidade Federal Fluminense.

O espetáculo de dança contemporânea ECO-MATRIZ incorpora quatro elementos essenciais da natureza: água – terra – fogo – ar.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A gestão cultural e o território

O Brasil teve ao longo da constituição de sua rede de cidades estratégias de ocupação que marcam alguns ciclos. Embora se tenham alterado drasticamente as lógicas de ocupação territorial, muitas de nossas cidades ainda “guardam” traços de seus riscos iniciais.
Nossa constituição étnica, por sua vez, também espelha e deixa marcas na vida social e cultural de muitas regiões e cidades.

As cidades fundadas no século XVI, e mesmo no XVII, foram basicamente de ocupação litorânea e voltadas à defesa do território colonial português. Assentadas em locais altos, muralhas contendo malhas internas irregulares e com pouca vida social. Foi assim no Rio de Janeiro, em Niterói, em Olinda, em Salvador, entre muitas outras. Com a ascensão comercial do ciclo açucareiro as principais cidades portuárias prosperam, dinamizaram suas estruturas sociais e cresceram em direção aos portos.
Ainda no século XVII, mas principalmente no século seguinte iniciou-se a ocupação interior em busca do ouro. São Paulo foi simples ponto de passagem, vindo a florescer algumas cidades mineiras e goianas. No século XIX vieram explosões econômicas importantes. A borracha fez enriquecer certas regiões do norte, e o ciclo do café definitivamente fez explodir uma larga rede de cidades, principalmente nas regiões fluminense e paulista. Trouxe com ele a modernidade das redes ferroviárias e dos serviços urbanos de eletrificação e saneamento.
Foi, no entanto, ao longo do século XX que a modernização realmente impactou nossas realidades urbanas com grandes intervenções de renovação dos antigos tecidos coloniais, inicialmente no Rio e em São Paulo, e com o planejamento de cidades modernas: Goiânia, Brasília e Palmas expressam três desses momentos.

Nossa composição étnica por sua vez expressa, também, momentos cíclicos. Aos índios, portugueses e africanos dos primeiros séculos somaram-se importantes massas imigrantes, sobretudo européias, que cruzaram os mares em busca de oportunidades de inclusão que a industrialização vigente no primeiro mundo não lhes propiciou.

Que marcas territoriais e étnicas ainda se apresentam em nossas cidades? De que maneira nossos traços culturais regionais se sobrepõem à homogeneização percebida nos tempos atuais? Marcados por forte composição social excluída e sobrepujada, como estamos fortalecendo a inclusão?

Os dados censitários são bem pouco animadores. Cientistas sociais falam de abismo social. Especialistas estrangeiros adjetivaram nosso nome –brasilianização- como expressão de pobreza. Ainda se constata bolsões de trabalho escravo no Brasil, isso sem falar dos altos índices de violência urbana e de prostituição infantil.

Que papel a Cultura pode ter na reversão desta realidade? Como fazer belos conceitos saírem do papel (empoderamento, protagonismo social, responsabilidade social, inclusão social, sustentabilidade, capacitação profissional e geração de renda e emprego através da cultura)?

Como estabelecer e fortalecer redes sociais? Como estimular e incorporar a governança e o capital social como estratégias para nossas ações? Como promover a ética como a estética de vida dos indivíduos?

CULTURAL - MULTICULTURAL - INTERCULTURAL - TRANSCULTURAL

- Uma noção contemporânea da Cultura

Pode-se entender CULTURA como um processo de sedimentação de memórias, a longo ou médio prazo, e que opera com as diferenças de toda a sociedade. Entendida desta forma seus propósitos são contrários ao da lógica de mercado –tomando esta por sua busca de imediatismo e estandartização.
Se o agente da cultura for exclusivamente o Estado, tende-se a desenvolver políticas culturais marcadas por um “patrimonialismo estadista” ou por um “dirigismo estatal”. Se o agente for exclusivamente o Mercado, culminaria em um “mercantilismo cultural” ou “privatização da vida cultural”.
A história da modernidade buscou regimentar a esfera estatal como representante única da esfera pública. Pensamentos contrários buscariam articular a todo indivíduo três atuações básicas: pública, privada e íntima. Deste modo, as políticas culturais sendo da esfera pública estariam afetas tanto ao Estado quanto à sociedade inteira.
Segundo o pensador português Boaventura de Souza Santos assiste-se, hoje, a uma hiperpolitização estatal e uma despolitização da vida cotidiana. Podemos entender como ação pública aquilo que de nós pertence ou está voltado aos demais, dependendo mais do espaço em que se desenvolve. A não-clareza ou não-distinção entre as diferentes esferas leva a que lidemos com o outro através de posturas e sentimentos equivocados, por exemplo: o ódio é um sentimento íntimo; nossa relação com a violência então não deve ser vivenciada como ódio ao outro e sim como reivindicação corretiva e busca de mecanismos de segurança.
Não há, portanto, como dissociar a ação cultural de noções ligadas à cidadania, à justiça social, à afirmação de sociedade civil e da ação pública ou mesmo à ética.


- Multiculturalidade, interculturalidade e globalização

Segundo Alain Touraine , por multiculturalidade podemos entender a manutenção da unidade social reconhecendo a pluralidade de culturas e tendo-as em permanente intercãmbio entre atores sociais com visões de mundo diferenciadas (algo que está além da mera coexistência ou convivência). Tal noção rechaça a desigualdade entre culturas: superior, avançada, primitiva ou subdesenvolvida e substitui a noção de preservação cultural pela de equiparação entre diversas culturas.

Multiculturalidade pode ser identificada com:
. a defesa das minorias e seus direitos. Porém há o risco de aceitá-las, mas apartadas entre si;
. o respeito à diferença. Novamente o risco de preservar grupos, mas mantendo-os intactos, isto é, bolsões apartados e gregários;
. a coexistência indiferenciada. Na qual, de novo pode-se tê-las sem coexistência ou interação;
. a negação das culturas ocidentais (apologia oriental ou latina).

Por fim, o conceito correlaciona-se ao reconhecimento do outro sem a obsessão pela própria identidade, isto é, reconhecer em cada cultura ou grupo seus valores próprios e os universais.
O conceito de Interculturalidade pressupõe aceitar que as diferentes culturas não são fatos isolados nem se produzem espontaneamente; o que ocorre é o inter-relacionamento entre elas.
Observa-se neste processo três tendências:
. relações de dominação e não de reconhecimento, o que leva ao desaparecimento de fatos originários;
. relações de diálogo e interação significativa, levando à interação;
. convivência sem simbiose.

Cabe a consideração de que multiculturalidade e interculturalidade são questões que às vezes se imbricam, outras vezes não.

No processo de globalização interagem simultaneamente atividades econômicas e culturais (mensagens, produtos e bens simbólicos consumidos) dispersas e geradas por um sistema de múltiplos centros O que importa não é a origem geográfica e sim a velocidade com que há esta interação.
Como conseqüências pode-se observar:
. crescente mobilidade de indivíduos ou grupos;
. explosão de atores e circuitos internacionais;
. crise do modelo estatal (fragilidade da noção de Estado-Nação; perda de autonomia dos Estados Nacionais);
. crescente reivindicações regionais e de culturas subjugadas;
. busca de identidades supranacionais;
. predomínio de informações e/ou relações massificadas em prejuízo de relações interpessoais.

Conforme Nestor Canclini , a globalização na ibero-américa resultou em, a partir dos anos 70:
. predomínio dos meios eletrônicos em detrimento das formas mais tradicionais de produção e circulação de cultura (popular ou erudita);
. esvaziamento dos equipamentos culturais (cinemas, teatros, bibliotecas, centros culturais,...)
. diminuição do papel das culturas locais, regionais ou nacionais (ligadas a territórios e histórias particularizadas) e substituição por mensagens geradas e distribuídas por circuitos transnacionais;
. redistribuição das responsabilidades entre Estado e iniciativa privada, em relação à produção, financiamento e difusão dos bens culturais.

Por outro lado, e em reação a uma homogeneização cultural (de base norte-americana), tem ensejado o fortalecimento de políticas culturais locais e regionais: fortalecer o “local globalizado” em substituição ao “global indiferenciado”. Lembrando, como apontou Fernand Braudel, que as fronteiras culturais nem sempre (ou quase nunca) se justapõem às fronteiras políticas.

REFERÊNCIAS:
SANTOS, Boaventura de S. Pela mão de Alice; o social e o político na pós-modernidade. São Paulo, Ed. Cortez, 1996.
TOURAINE, Alain. Critique de la modernité Paris, Fayard, 1992.
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. México, Grijalbo, 1989.

sábado, 12 de março de 2011

PENSANDO ÉTICA

ÉTICA - FELICIDADE INDIVIDUAL CONQUISTADA A PARTIR DO EXERCÍCIO DO BEM COMUM.
Certas concepções de desenvolvimento e de cultura ocupam lugares cada vez mais privilegiados nas tentativas de se compreender e estimular o comportamento ético da humanidade.
Cultura deve ser entendida como elemento de coesão social e de fortalecimento das noções de pertencimento e de identidade; para além das dimensões institucionais dadas ao campo da Cultura, e para além das dimensões que articulam a Cultura com as representações/manifestações sociais, busca-se entendê-la enquanto formadora de subjetividades ao considerar a produção material e imaterial dos homens e grupos a partir de seus valores, comportamentos, sentimentos e desejos.
Desenvolvimento pleno, baseado nos desenvolvimentos técnico e econômico como esfera presente em nosso cotidiano no sentido da obtenção e crescimento de condições dignas de vida social, reforçando a dimensão pública e a sociabilidade, em direção contrária a uma individualização privada.
Ética será entendida aqui por sua vinculação ao pleno exercício do Eu em sua busca de felicidade e em consonância com a percepção de que esta plenitude, necessariamente, incorpora o Outro; ética como elemento estruturante de relações sociais baseadas nos níveis de confiança e coesão social interna aos grupos e destes com outros grupos e instituições.
No contexto brasileiro, marcado pelas exclusões e um forte abismo social, há que se supor algumas necessidades: de fomentar a sociabilidade inclusiva; de estimular a participação coletiva sustentável; de reforçar laços de identidade cidadã através de relações dialógicas.
Face essa realidade, os campos de ação do gestor/produtor cultural têm que ser norteados por firmes propósitos e conceituações que busquem valorizar a capacidade imanente aos grupos sociais de desenvolver seus potenciais de transformação, sem que a cultura seja percebida como elemento estranho ao cotidiano do cidadão comum. Deve-se entender que a capacidade técnica e o aporte financeiro fornecem importantes instrumentos de gestão, mas não são suficientes; deve-se garantir –e buscar estimular- a plena participação dos sujeitos e grupos.
A ação cultural ética envolve a circulação de idéias e a (re)formulação de práticas. Pressupõe reconhecer o outro e os comportamentos, as intenções, valores, conhecimentos que compõem o meio social, e a capacidade de interagir em outros meios.
O agente cultural deve estar comprometido com os diferentes atores sociais quando da elaboração de propostas e de execução de ações. Uma de suas metas é criar condições amplas para o exercício da cidadania e promover uma efetiva inclusão (seja pelo viés dialógico, pelas ações e pela socialização do saber). Algumas estratégias podem ser apontadas: qualificação do quadro técnico, capacitações em diversos níveis, estruturação dos equipamentos sociais pertinentes, ou seja: organizar uma base técnica e material para que o corpo social brasileiro assuma pleno protagonismo no mundo contemporâneo, a partir do empoderamento de toda a sociedade e não somente uma pequena parcela.
A idéia de relações éticas e dialógicas deve nortear o âmbito das diversas relações, incluindo-se aí as relações público/privado. Na busca permanente de relações éticas identifica-se a própria forma de o setor público contribuir e se relacionar com o setor privado por exemplo, entendendo que a lógica imediatista do mercado pode-se transformar em seu próprio interior, entre outras respondendo aos anseios da sociedade através de um marketing por demanda, em substituição a um marketing por oferta. Entendendo, também, que o mercado, e a idéia de consumo que o norteia, deve ter “leituras” onde se entenda que o “Consumo” não é só de bens materiais, mas a própria forma de uma sociedade se relacionar com o ambiente natural. Fontes de energia, uso da água, preservação do espaço natural, desenvolvimento sustentável, assim como outras tantas, são estratégias que podem ser pautadas por ações totalmente divergentes; opostas.
Para atingir tais objetivos, algumas diretrizes devem nortear todo o processo de construção, avaliação e troca de conhecimento e saberes, assim como todas as ações a serem implementadas:
• fomentar relações dialógicas e de sociabilidade partilhadas e inclusivas;
• estimular a participação coletiva, entendendo-a como estratégia de sustentabilidade e governança;
• reforçar os laços de pertencimento e identidade cidadã, e o reconhecimento social do papel das instituições;
• compreender as implicações da confiança e da aderência às normas que envolvem os indivíduos e seus grupos, e as relações inter-grupos;
• fortalecer o espírito gregário e de cooperação no interior dos grupos sociais, assim como a constituição de redes sociais;
• buscar a constante de troca de saberes, entendendo-os como oriundos dos diferentes lugares sociais;
• entender que as inserções (sociais, espaciais,...) dos indivíduos e grupos, e das instituições precisam ser norteadas pela constante busca de desenvolvimento pleno e sustentado.

PENSANDO O PROCESSO DECISÓRIO

Quando pensamos em nossas tomadas de decisão, duas questões principais se apresentam: para tomarmos uma decisão sobre alguma coisa precisamos conhecê-la, mas também somos guiados por escolhas e posicionamentos. Para que nossas escolhas possam ser realizadas lançamos mão de informação e de uma posição política. Na verdade, creio que o posicionamento político vai influenciar a própria tipologia de informações a serem buscadas.

Parto de um posicionamento enquanto sujeito, ou melhor de um posicionamento político que me guia no sentido de estruturar os processos decisórios no campo cultural a partir de metodologias que extrapolem os campos estritos da Administração e da Economia, buscando horizontes calcados também em informações de cunho antropológico. Como vem sendo apontado por organismos internacionais e endossado pela política federal de cultura no Brasil, não “abriremos mão” das diferentes dimensões da Cultura: Simbólica, Cidadã e Econômica. Ou melhor, as dimensões dos três “E”: Estética, Ética e Economia.

Ao se pensar em processos de decisão, precisa-se discutir inicialmente como devem se dar tais processos, sendo a participação um dos principais mecanismos.

O termo controle social vem sendo utilizado pelos movimentos populares para caracterizar a luta pela inclusão e participação dos setores populares na definição dos rumos de nossa sociedade através, principalmente, das políticas públicas como instrumento transformador da realidade. Uma luta pela abertura de espaços para a participação da sociedade civil nas diversas fases da política pública, desde a sua formulação até seu monitoramento e avaliação, buscando o compartilhamento do poder decisório entre Estado e sociedade e a garantia de direitos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 ficou reconhecida como a “Constituição Cidadã” porque fundou as bases para que diversos mecanismos de participação e controle social das políticas públicas e ações do Estado fossem criados. É o caso dos Conselhos de Políticas Públicas, os Orçamentos Participativos, entre outros instrumentos criados nos últimos 20 anos.

Alguns dos principais desafios para o exercício efetivo do controle social: falta de acesso a informações necessárias, o descomprometimento do poder público com a participação, atitudes corporativistas entre os segmentos representados em conselhos que impedem a negociação e construção de consensos, a influência da lógica e de questões partidárias nestes espaços, a linguagem inadequada dos documentos e debates, a falta de capacidade técnica e política para a intervenção nos debates.

Participação é um conceito que pode ser manipulado ideologicamente. Governos de diferentes matrizes políticas e coloridos ideológicos desejam a participação em seus programas. Organizações e empresas buscam a participação de clientes e usuários e/ou de seus empregados. Neste sentido, participação pode estar associada à idéia de esforço pessoal, e a ausência de participação é vista como uma deficiência ou incapacidade dos indivíduos e grupos assumirem suas responsabilidades sociais e políticas. Tal visão busca consolidar a idéia de que a participação depende ou demanda ações políticas que a reforcem ou viabilizem, e favorece a que grupos específicos (governos, instituições, etc.) ativem a idéia de participação controlada, limitada pela idéia de “responsabilidade”. Participação, assim, significa “liberdade com responsabilidade”.

Há duas tendências de estabelecimento de canais de participação, ambas restritivas em sua dimensão. É comum a implementação de formas de participação segmentadas e compartimentadas em setores: saúde, educação, cultura, orçamento público, etc. Outra forma agrega os grupos por territórios: associações de bairro, comunidades específicas, enfim: isola os grupos locais um dos outros.

Representação estabelece formas de participação que favorece a que a sociedade seja incluída apenas em parte do processo decisório, e de forma indireta. Por exemplo, o voto nas sociedades modernas foi sendo paulatinamente estendido: dos proprietários aos não-proprietários, dos homens às mulheres, dos alfabetizados ao não-alfabetizados. A participação por representação pode reforçar os níveis de exclusão e desigualdade, uma vez que grupos mais organizados ou hegemônicos tendem a assumir a liderança dos canais de representatividade.

Democracia representativa X Democracia participativa – esta última tem sido objeto de busca nas políticas brasileiras contemporâneas. Para o pleno exercício da participação podemos considerar que o indivíduo quanto mais pleno de sua subjetividade e identidade, mais chances terá de que sua participação se dê com menor grau de dominação.

Planejamento é um processo no qual se pode distinguir etapas de informação e etapas de decisão. Em ambas se deve garantir a participação da população (quando esferas de governo) e/ou dos usuários e participantes em si (em instituições, organizações, empresas, etc.).

Portanto, para o PROCESSO DECISÓRIO propõe-se, aqui, a utilização de diversas metodologias de obtenção de informações (junto às instituições e junto às pessoas e grupos). Assentadas num posicionamento político que almeje: participação cidadã e controle social; políticas sociais e de garantia dos direitos; gestão cultural e gestão do território sob a lógica do desenvolvimento local.

domingo, 18 de julho de 2010

MAPEAMENTO CULTURAL

O Brasil teve ao longo da constituição de sua rede de cidades estratégias de ocupação que marcam alguns ciclos. Embora se tenham alterado drasticamente as lógicas de ocupação territorial, muitas de nossas cidades ainda “guardam” traços de seus riscos iniciais.
Nossa constituição étnica, por sua vez, também espelha e deixa marcas na vida social e cultural de muitas regiões e cidades.

As cidades fundadas no século XVI, e mesmo no XVII, foram basicamente de ocupação litorânea e voltadas à defesa do território colonial português. Assentadas em locais altos, muralhas contendo malhas internas irregulares e com pouca vida social. Foi assim no Rio de Janeiro, em Niterói, em Olinda, em Salvador, entre muitas outras. Com a ascensão comercial do ciclo açucareiro as principais cidades portuárias prosperam, dinamizaram suas estruturas sociais e cresceram em direção aos portos.
Ainda no século XVII, mas principalmente no século seguinte iniciou-se a ocupação interior em busca do ouro. São Paulo foi simples ponto de passagem, vindo a florescer algumas cidades mineiras e goianas. No século XIX vieram explosões econômicas importantes. A borracha fez enriquecer certas regiões do norte, e o ciclo do café definitivamente fez explodir uma larga rede de cidades, principalmente nas regiões fluminense e paulista. Trouxe com ele a modernidade das redes ferroviárias e dos serviços urbanos de eletrificação e saneamento.
Foi, no entanto, ao longo do século XX que a modernização realmente impactou nossas realidades urbanas com grandes intervenções de renovação dos antigos tecidos coloniais, inicialmente no Rio e em São Paulo, e com o planejamento de cidades modernas: Goiânia, Brasília e Palmas expressam três desses momentos.

Nossa composição étnica por sua vez expressa, também, momentos cíclicos. Aos índios, portugueses e africanos dos primeiros séculos somaram-se importantes massas imigrantes, sobretudo européias, que cruzaram os mares em busca de oportunidades de inclusão que a industrialização vigente no primeiro mundo não lhes propiciou.

Que marcas territoriais e étnicas ainda se apresentam em nossas cidades? De que maneira nossos traços culturais regionais se sobrepõem à homogeneização percebida nos tempos atuais? Marcados por forte composição social excluída e sobrepujada, como estamos fortalecendo a inclusão?

Os dados censitários são bem pouco animadores. Cientistas sociais falam de abismo social. Especialistas estrangeiros adjetivaram nosso nome –brasilianização- como expressão de pobreza. Ainda se constata bolsões de trabalho escravo no Brasil, isso sem falar dos altos índices de violência urbana e de prostituição infantil.

Que papel a Cultura pode ter na reversão desta realidade? Como fazer belos conceitos saírem do papel (empoderamento, protagonismo social, responsabilidade social, inclusão social, sustentabilidade, capacitação profissional e geração de renda e emprego através da cultura)?

Como estabelecer e fortalecer redes sociais? Como estimular e incorporar a governança e o capital social como estratégias para nossas ações? Como promover a ética como a estética de vida dos indivíduos?

. Identidade brasileira: realidade ou fantasia?

OBS.:Fragmento de minha tese de Doutorado em História Social, intitulada A FANTASIA DA MODERNIDADE; a falácia de um modelo único. Niterói: UFF-ICHF-Programa de Pós-Graduação em História, 1997.


Sérgio Buarque de Holanda esboça, em Raízes do Brasil, o elemento pregnante no brasileiro: a cordialidade. Darcy Ribeiro caracteriza-nos como povo-novo. Para este autor, a marca que nos identifica é o amalgamento de diversas contribuições étnicas que se fundem em algo diferente de seus elementos constitutivos. Temos, para ele, a marca do novo. Roberto Da Matta e Richard Morse evidenciam o favor como nossa característica potencial, enquanto Roberto Schwarz vê, no mesmo favor, nossa destruição.
O que podemos perceber nessas tentativas de elucidar a identidade do brasileiro é que esta não se coloca evidente. Se estamos continuamente tentando desvendar a nossa identidade é porque há um indício de não a termos clara.
Seríamos um povo “macunaíma” , sem caráter (no sentido de sem característica, sem identidade)?
Ao que parece, mais do que uma crise de identidade, um esfacelamento de algo já assentado, nosso caminho evidencia um processo de identidade ainda em construção.
Um outro enfoque é o explorado por Gisálio Cerqueira Filho, que busca fundamento tanto na História quanto na Psicanálise. Para o autor, a construção de nossa subjetividade assenta-se na falta de limite, na "ignorância simbólica" da lei. O que, por paradoxo, não nos levaria à construção efetiva da identidade.
Ora, vale a pena retomar o assunto desde o início, e explorar, ponto por ponto, o que nos dizem os autores citados.
A idéia de "homem cordial" e de relações sociais centradas no "favor", na camaradagem, tendem a misturar-se. Se observarmos mais atentamente, no entanto, veremos suas diferentes nuances. Conforme S. B. de Holanda, em "sociedades de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos".
Jorge Forbes, em artigo que trata dessa mesma obra, evidencia que aquele autor "não faz apologia do 'homem cordial', não o coloca no melhor dos mundos. Ele previne que 'a vida em sociedade - para o brasileiro - é de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente de viver consigo mesmo'." Forbes prossegue em sua análise, tirando partido de algumas idéias de J. Lacan sobre o altruísta: " 'o que ele [o altruísta] respeita, o que ele não quer tocar, na imagem do outro, é a sua própria imagem'."
O que extrair desses autores? A princípio, a desmistificação da "cordialidade" como elemento positivo, uma vez que nem sempre o que se nos apresenta aponta para a "cooperação autêntica". Um segundo ponto, auxiliado pela psicanálise, evidencia na nossa cordialidade não um efetivo aspecto de intimidade, de proximidade com o Outro, e sim o aspecto de afastamento, de negação da própria imagem. Ora, se tomarmos em consideração que a subjetividade (elemento fundamental de construção de identidade) pressupõe justamente aproximarmo-nos da nossa imagem, pode-se dizer que acreditar que a cordialidade é fundante de nossa identidade é uma crença falaciosa.
Darcy Ribeiro defende a tese de que o brasileiro tem estruturada a sua identidade étnico-cultural, a despeito de nossa heterogênea formação social. Para o autor, o componente negro ou mulato é o mais brasileiramente característico: "não sendo índio nativo nem branco reinol, só podia encontrar sua identidade como brasileiro. Vale dizer, como um povo novo, feito de gentes vindas de toda parte". Darcy Ribeiro tenta defender, mesmo tomando como base a nossa trajetória e origem históricas desde os tempos pré-descobrimento, a identidade brasileira como composta justamente pela pregnância do `novo. A busca do novo como elemento marcante de nossas tradições. Ora, uma vez mais parece-me que os caminhos mais afastam-se do que se aproximam. A apologia do "novo" é uma negação das tradições e da história.
Contardo Calligaris procura "entender como se inscreveu na história do país uma decepção sem remédio" , qual seja: a de não conseguirmos sentir-nos cidadãos identificados com o Brasil. Ao menos identificados na plenitude do termo: filhos livres e cônscios dos limites necessários à cidadania. Segundo a tese do autor, "sermos" do país e não "estarmos" nele.
Calligaris elucida os fios que tramam o imaginário brasileiro que se revela num discurso onde aparecem duas falas impressas em nossas mentes e corações a partir do descobrimento: a do colono e a do colonizador.
Como colonos (filhos), coube-nos o fantasma de transformarmo-nos em escravos (brancos ou pretos); a autoridade que poderia reconhecer nossa condição de explorados é, na verdade, a sombra do próprio colonizador que nos explora. Como colonizadores (pais) caberia-nos uma função paterna "de brincadeira" que reproduz o estigma anterior. Num "cinismo estrutural, o vai e vem impera: colono, me engajo, me filiar é mesmo o que quero, mas desconfio pois eu mesmo, colonizador, só pediria que os outros se filiem a mim para gozar dos seus corpos" (p. 150).
O autor considera que essa ambigüidade inscrita em nossa subjetividade emperra nossa tentativa de fundar e consolidar a identidade.
Sendo uma "fundação exitosa", ela transmitiria-se no tempo. Instituindo uma ordem simbólica constrói-se uma base de sustentação que pode ser real, que funde, estruture, sustente mesmo. "Quando os laços são simbólicos, não é necessário esperar dos atos que o sejam, eles podem se contentar em ser reais, pois os laços já garantem ao sujeito o reconhecimento da sua filiação e da sua cidadania" (p. 111).
Se for uma "fundação fracassada", ela não se constituirá enquanto uma filiação, ensejando assim novas fundações que se renovam na tentativa de um ato fundador a mais. O que acarreta um enfraquecimento (senão uma impossibilidade) de sua condição de sustentáculo de um significante nacional. "A necessidade de se fundar e refundar a cada dia encurta a memória" (p. 106). Idéias essas que ajudam a desmistificar a fundamentação de Darcy Ribeiro de identidade calcada no novo.
Calligaris, no entanto, não aposta num poço sem fundo: "o colono pode testemunhar uma paixão nacional nada brega porque ainda está fundando sua nação, ou mesmo o significante nacional da nação que ele espera; e já sabe que isso ele não pode esperar do colonizador" (p. 148). Na própria brecha de formação do signo encontra-se o caminho.
Gisálio Cerqueira Filho aponta-nos que o projeto de construção da identidade brasileira está diretamente relacionado ao gozo que a exploração pode proporcionar. O autor propõe-nos "forjar um pensamento capaz de articular a representação da lei ( a ignorância simbólica da lei 'versus' a questão da cidadania) jurídica com a representação da lei no sentido psicanalítico (dupla função paterna repressiva/transgressiva)."
Encampando as idéias lacanianas, o autor alerta-nos de que a descrença e/ou desrespeito às leis acontece principalmente na dimensão simbólica, na representação da realidade, na esfera do desejo. Uma vez estando relacionada a um gozo sem limites, inscrito de forma geral na subjetividade dos brasileiros, aponta para uma identidade construída de modo deformado. Melhor seria: se mal construída a subjetividade, pouco podemos esperar em relação à construção de uma identidade plena.
Averigüemos outros pontos de vista.
Antonio Cândido tece como "dialética da malandragem", o confronto dialético da ordem e da desordem.
Na sociedade brasileira essas questões são mesmo dialéticas.
Herói: homem extraordinário pelo seu valor.
Anti-Herói: por formação morfológica, é o contrário daquele.
Malandro: esperto, matreiro, que não trabalha, preguiçoso.
São alguns sinônimos que o Dicionário Aurélio apresenta-nos.
Completo com as definições apresentadas por Josué Montello (JB, "Salvo melhor juízo"): "enquanto o herói se bate pelos valores da sociedade em que vive, e a esta naturalmente se ajusta, o anti-herói se defende desses valores, com os quais está em permanente conflito".
Quais, então, os valores da sociedade brasileira? Quem são nossos heróis e nossos anti-heróis? Mário de Andrade apontou o malandro, signo do anti-herói, como o herói. Sem caráter. Pode-se ler "o herói sem caráter" num duplo sentido:
a) sem escrúpulos, o que vige na lei do "levar vantagem em tudo". Neste sentido nosso macunaíma seria um anti-herói, malandro. E neste sentido, herói e anti-herói identificam-se na busca do gozo máximo, na falta de limite. No contexto brasileiro esse ponto aproxima-se tanto do herói, quanto do anti-herói na sua significação dicionarizada.
b) um segundo sentido que "sem caráter" pressupõe é o da falta de individualidade, falta de subjetividade, em suma, sem identidade. Também esse sentido é pertinente à sociedade brasileira. Seria forte dizer que uma sociedade não tem identidade própria, mas posso dizer que nossa identidade é dialética. O que ora é ordem, ora é desordem. Tanto a lei funda-se no arbítrio quanto o arbítrio vira lei. Tanto o herói é malandro quanto o malandro é herói.
Seguindo a tese lacaniana poderíamos mesmo dizer que a onipotência do herói, a falta de limites, aponta a ausência da interdição gerada pela figura do pai, e que sem ela não alcançamos a dimensão simbólica necessária à construção da subjetividade. Somos de fato heróis sem caráter. Malandros sem identidade própria.
No Brasil, as pessoas "nunca tiveram a obsessão da ordem senão como princípio abstrato, nem da liberdade senão como capricho. As formas espontâneas da sociabilidade atuaram com maior desafogo e por isso abrandaram os choques entre a norma e a conduta, tornando menos dramáticos os conflitos de consciência" É esta a tese do autor da dialética da malandragem, dialética da ordem e da desordem.
"Não querendo constituir um grupo homogêneo e, em conseqüência, não precisando defendê-lo asperamente, a sociedade brasileira se abriu com maior largueza à penetração dos grupos dominados ou estranhos. E ganhou em flexibilidade o que perdeu em inteireza e coerência".

Nossa fraca identidade potencializa a formação de uma identidade não muito rigorosa.
Podemos ler estas idéias de diversas formas. A saída positiva para o dilema brasileiro encontra-se, justamente, na ambigüidade da sua situação negativa. Na pregnância dialética dos contrários.
É como a trajetória de Macunaíma. Enquanto nosso herói sem caráter, que é malandro mas que é herói, coloca-se acima do bem e do mal e vai tirando proveito máximo de tudo, o narrador vai revelando as tradições do nativo brasileiro na tentativa de tecer nosso caráter. Grande Mário de Andrade.